África é uma terra de oportunidades de investimento para o comércio eletrónico, a telemedicina e a inteligência artificial, porque tem de se tornar um ator das disrupções digitais e das tecnologias transformadoras para acelerar o seu crescimento económico. Esta convicção foi partilhada por especialistas reunidos na sexta-feira em Marraquexe num painel organizado para assinalar os Market Days do Fórum Africano de Investimento, que se realiza de 8 a 10 de novembro de 2023 em Marraquexe, Marrocos.
O painel, subordinado ao tema "Disruptores digitais e tecnologias transformadoras", reuniu especialistas de renome na matéria: Samuel Alemayehu, investidor e membro do conselho de administração da Next Billion; Adnane Ben Halima, vice-presidente da Huawei, responsável pelas relações públicas para o Mediterrâneo e o Norte de África; Femi Adeagbo, CEO da Comnavig, e Liz McAreavey, diretora executiva da Câmara de Comércio de Edimburgo, na Escócia. Zaid Belbagi, Diretor Executivo da Hardcastle e colunista do Arab News, moderou os debates do painel.
"Se olharmos para os últimos 30 anos em África, passámos de 30.000 telefones fixos para milhões de telemóveis, com a criação de milhares de empregos neste setor. No Quénia, o sistema M-Pesa revolucionou as microfinanças e as transferências de dinheiro. O surgimento do Facebook criou muitos empregos e impulsionou o comércio, mas, ao mesmo tempo, desenvolveu-se a infox (informação falsa)", afirmou o empresário nigeriano Femi Adeagbo, na abertura dos debates.
Para os membros do painel, África tem os meios para promover a inclusão digital e tirar partido da tecnologia para enfrentar os seus desafios sociais e económicos. Seja no clima, na medicina, na educação, na formação, na criação de emprego, na agricultura, na energia ou na alimentação, vários setores de desenvolvimento podem ser explorados através das tecnologias digitais, incluindo a inteligência artificial (IA).
O potencial das tecnologias digitais, em particular da IA, irá acelerar o desenvolvimento e ligar as empresas africanas aos mercados mundiais. O continente precisa de tirar o máximo partido destas inovações para não ter de suportar o fardo de uma infraestrutura que será inútil. De facto, enquanto se perderam 800 mil empregos em todo o mundo, foram criados 3,1 milhões graças às novas tecnologias e à economia digital. Estas representam atualmente mais de 45% da economia mundial.
"Existe uma ligação direta entre a transformação tecnológica e a economia. Na África Oriental, o M-Pesa representa 40% do PIB do Quénia, o que é enorme, tal como as transações e os pagamentos móveis. De momento, a única ferramenta que pode garantir o crescimento económico é a digitalização do conhecimento", afirma Adnan Ben Halima.
"Estamos numa aldeia global e a África não pode desenvolver-se isoladamente. A IA pode transformar a nossa própria compreensão das ciências clássicas, como a biologia. É fascinante o que podemos fazer com a IA. Podemos até tirar partido da biodiversidade", observa Samuel Alemayehu. Samuel Alemayehu propôs uma série de setores em que a IA poderia ser utilizada em África: a criação de substâncias medicinais com base nos conhecimentos das comunidades locais, o desenvolvimento de reatores para gerar eletricidade, o fabrico de óleo de palma, a produção de nitrogénio para alimentar as plantas agrícolas, etc.
"Se a África não der o primeiro passo em matéria de IA, será deixada para trás", adverte Liz McAreavey, assegurando que as tecnologias atraem investimentos diretos, criam empregos e reforçam as capacidades. "Atualmente, as cidades inteligentes são uma necessidade. Serão capazes de afastar os cidadãos de zonas de alto risco antes da ocorrência de catástrofes naturais e de os avisar de possíveis epidemias", explica, referindo-se ao recente e mortífero terramoto em Marrocos e à pandemia de Covid-19.
Na sua opinião, as tecnologias transformadoras irão desbloquear o potencial das PME e das PMI de África, que representam 95% do PIB na África Subsariana. "Se estas empresas utilizarem a IA corretamente, África assistirá a um enorme progresso", garante.
No entanto, há dimensões sociais e éticas na IA que precisam de ser examinadas tanto pelos governos como pelos disruptores. Como tal, é necessário um ambiente regulamentar favorável à inovação que também possa mitigar os riscos emergentes associados à IA.
"A IA não vai perturbar tudo no mundo. Não vai criar empregos para toda a gente", adverte Adeagbo. Os excessos das redes sociais (sexismo, aumento da mercantilização das mulheres, etc.), as ‘fake news’, a darkweb, as implicações interculturais e a utilização indevida da IA para desenvolver armas são falhas que têm de ser corrigidas e antecipadas.
"Precisamos de conselhos de IA para determinar os setores em que a IA será utilizada. Imaginemos uma empresa que emprega 200 pessoas e a IA faz o trabalho de 20 pessoas, será que a empresa as vai despedir”, questionou.
Para além da educação desde tenra idade, os membros do painel apelam aos países africanos para que façam escolhas inteligentes e urgentes, promovam a colaboração entre os setores público e privado, criem um ecossistema robusto e reproduzam as melhores práticas entre países. O acesso das mulheres à tecnologia também tem de ser facilitado, apesar de há muito terem ultrapassado a barreira invisível, como na Nigéria, onde muitas mulheres dirigem grandes empresas, incluindo no setor digital.
Sem minimizar o impacto da tecnologia e das redes sociais no tecido social e até linguístico, Adnane Ben Halima sublinha que o problema reside antes na resistência à mudança. "É um problema de mentalidade. As ferramentas digitais trazem transparência, mas as pessoas têm de sair da sua zona de conforto", afirma, sublinhando que o problema não é apenas técnico. "Se quisermos implementar infraestruturas tecnológicas, é muito rápido, podemos ajudar a obter o financiamento, mas é necessário apoio ao mais alto nível do governo para que as pessoas aceitem as mudanças", afirma. Deu o exemplo da Huawei, que criou um "banco de talentos" para criar empregos e reter jovens talentos em África, bem como o programa "Women In Africa" destinado às mulheres. Apela também ao desenvolvimento de infraestruturas para reduzir as disparidades de conectividade entre países, regiões e géneros. Isto é particularmente importante para as mulheres, uma vez que 40% delas não estão ligadas à Internet. Recomenda igualmente o desenvolvimento do armazenamento de dados no continente, como foi feito no Senegal com a criação do centro de dados Diamniadio.